sábado, abril 10, 2004

Iraque: a Insurreição dos Xiitas Radicais
Por JOSÉ LOUREIRO DOS SANTOS
Sábado, 10 de Abril de 2004

Sem considerar o falhanço da justificação invocada para invadir o Iraque, porque eram erradas as informações sobre as ameaças que poderiam emergir, a postura messiânica e irrealista da Administração fez com que fossem subestimadas, e/ou os responsáveis ouviram apenas o que estavam predispostos e desejavam ouvir, a verdade é que tinham razão todos que, como o CEME americano (posteriormente exonerado), afirmavam serem necessários muitos mais efectivos, depois de terminadas as operações convencionais.

Os Estados Unidos, tarde, inverteram a orientação estratégica de tendência unilateral, sinal de que estavam em dificuldades para ultrapassar as ameaças que encontraram, mas sem resposta satisfatória da comunidade internacional. Ao mesmo tempo, subordinaram a sua estratégia às necessidades da campanha eleitoral para as presidenciais, e congeminaram um programa de transição do poder para os iraquianos, meramente simbólico, já que o desmantelamento do exército e da polícia do anterior regime inviabilizava a possibilidade de haver forças iraquianas em condições de garantir a segurança do país, depois de 30 de Junho. Basta ver como as incipientes forças já existentes se comportam perante ataques terroristas e, na actual conjuntura, face à milícia xiita.

Toda esta estratégia no terreno tinha por base essencial a aliança com os xiitas, no Iraque contra os sunitas, e a nível global contra a Al-Qaeda.

Há poucos dias, ao mesmo tempo que no triângulo sunita, especialmente em Falluja, reemergia uma resistência surpreendentemente poderosa e organizada, eclodiu uma violenta insurreição da facção xiita radical, espalhando os confrontos a vastas regiões anteriormente menos inseguras.

A situação agravou-se rapidamente e fez vir ao de cima, com maior nitidez, o principal factor que tinha obrigado os EUA a apelarem ao apoio da ONU e dos outros estados - insuficiência de forças terrestres americanas, em termos globais, e portanto no teatro de operações (TO). Presentemente, há indicações de que a América está a precisar de aumentar rapidamente as forças no terreno (entre vinte a trinta mil efectivos), em vez de as diminuir (cerca de trinta mil), conforme o plano da rotação em curso.

Só que não há unidades em reserva que permitam reforçar o Iraque. As poucas que se encontram disponíveis terão de ser poupadas para fazer face a perturbações (uma ou várias) que exijam resposta em qualquer outra parte do planeta. Na hipótese de ocorrer uma grande perturbação (por exemplo na Coreia do Norte), ela transformar-se-á num verdadeiro pesadelo para os norte-americanos.

A opção encarada parece cingir-se ao adiamento do final da comissão de uma divisão (pensa-se na 1ª Divisão Blindada) e à antecipação da chegada ao TO da unidade destinada a rendê-la (eventualmente a 3ª Divisão de Infantaria, que saiu do Iraque há pouco tempo), do que resultará o aumento temporário de uma divisão no teatro. Tendo em atenção os inconvenientes desta solução, em especial no moral do pessoal que continua em operações, quando tinha como certo regressar à pátria ao fim de um ano, ela está a ser abordada com parcimónia (poucas forças) e hesitações (esperar, para ver se o problema se resolve sem reforços). O que pode originar um desastre.

A ser necessário e a concretizar-se, e se não for imediato, o reforço de uma divisão poderá já não ser decisivo. Existem enormes riscos. O maior, é dar tempo ao inimigo agora surgido para se implantar no terreno e consolidar-se, controlando lugares santos e centros urbanos, obrigando unidades da coligação a retirar, capturando reféns e exibindo-os, dando assim a impressão de que tem real capacidade militar. O que influenciaria as populações moderadas que têm acatado as orientações do ayatollah Sistani, arrastando-as para a insurreição, e geraria uma dinâmica de vitória capaz de transformar Moqtada al-Sadr num líder dificilmente descartável.

Poderia mesmo criar-se uma situação mais difícil, susceptível de exigir reforços substanciais, cuja satisfação obrigaria a alargar a comissão a mais unidades por mais tempo, com efeitos profundamente negativos no moral das tropas e na população americana, minando o seu apoio à guerra. Então, poder-se-ia colocar a hipótese da retirada das forças norte-americanas, por razões políticas internas, o que seria um desastre para a "guerra" ao terrorismo, e surgiria a realidade nua e crua do império ter dificuldade ou não ter capacidade para conduzir uma guerra ofensiva prolongada, mesmo com forças armadas com pessoal totalmente profissional.

Veja-se a atitude prudente, embora interesseira, de Sistani, ao não condenar a insurreição de Moqtada al-Sadr e das suas milícias, e sim "os métodos usados pelas forças ocupantes na escalada actual do conflito no Iraque (...) e qualquer acção que disturbe a ordem e impeça as autoridades de desempenhar as suas funções" (aparentemente, a única referência à acção das milícias xiitas). O que indicia que o ayatollah se guarda para todos os cenários possíveis, incluindo o de ele próprio cavalgar a onda insurreccional, se esta se consolidar, aceitando ser aquilo que o chefe da revolta, afirma que é, quando se declara "o braço armado de Sistani" - líder de todos os xiitas. Prefere colocar-se em situação de prevenir o cenário do próprio Moqtada al-Sadr aproveitar uma eventual dinâmica de vitória para tentar substitui-lo, alcandorando-se à liderança.

Tudo isto se teria evitado se os americanos tivessem respondido aos insultos do jornal afecto ao xiismo radical, de forma hábil, articulando com Sistani uma resposta política.

Aliás, há mesmo a hipótese da insurreição radical não ter sido parada (se é que não foi estimulada) por Sistani (e o Irão), partindo do princípio que manteriam o seu controlo (o que não é certo), para obrigarem os americanos a cederem às exigências que vem apresentando.

Julgo que a situação, sendo grave, não é desesperada. O essencial é manter a aliança EUA - xiitas, a peça crucial da estratégia no Iraque e contra a Al-Qaeda. Tudo depende do que os Estados Unidos estiverem dispostos a ceder a Sistani, que pretenderá compromissos: na composição do governo iraquiano que receberá o poder político; e nos artigos da lei constitucional que constrangem o poder da maioria xiita (direito dos curdos vetarem a constituição e composição da presidência iraquiana). À Administração americana convirá preservar apenas o que é essencial (liberdade de acção para as forças da coligação no Iraque), para o que dispõe de um trunfo decisivo - incapacidade dos xiitas para garantirem a segurança no país, e conterem a resistência baasista e jihadista.

Mas é absolutamente indispensável não serem cometidos mais erros. A estratégia no Iraque necessita de ser desligada da estratégia da campanha eleitoral de Bush; é preciso acelerar a passagem para a ONU da tutela política de todo o processo, com um mandato para uma força multilateral, sob comando americano, encarregada de garantir a segurança no país; não repetir estratégias inconvenientes, como algumas que se têm observado ultimamente - ataques militares directos a lugares santos islâmicos.

Estes ataques, se não forem bem explicados publicamente, principalmente pelos media árabes (o que parece difícil), podem ter efeitos demolidores, tanto a nível do TO, como no âmbito da luta global contra o terrorismo. Poderão deslocar muitos muçulmanos moderados para as teses e métodos fundamentalistas, na medida em que, inevitavelmente, tais actos serão invocados pela Al-Qaeda como prova de que os judeus e os "cruzados", com a América à frente, estão a conduzir uma guerra religiosa contra todos os muçulmanos. Portanto, justificam o apelo à jihad.

Isto é, os erros estratégicos a que temos assistido, praticados especialmente em momentos de fraqueza, mas não só, quando não é fácil discernir e escolher as melhores opções e há a tentação de recorrer mais à força do que à inteligência, podem reforçar o sentimento de que estamos perante uma guerra de civilizações. Escondendo a realidade com que de facto nos defrontamos - um combate, longo e árduo, contra organizações interessadas em explorar as motivações religiosas, não só dos que seguem o Corão, mas também dos que se regulam pelo Antigo e Novo Testamento, para imporem projectos políticos totalitários.

General

domingo, janeiro 25, 2004

"GUIDO, I'VORREI CHE TU E LAPO ED I0"

Quisera, Guido, que tu, Lapo, e eu
fôssemos presa de um encantamento,
e postos num baixel que a qualquer vento
no mar andasse a prazer vosso e meu.

E que nem calma ou tempo como breu
dar nunca nos pudesse impedimento.
E assim que o estarmos juntos fosse o intento
sempre mais alto em nós como um troféu.

E Dona Vana e Dona Lágia, após,
e aquela mais que o contar trinta diz
a nós levasse o bom encantador.

E arrazoar então sempre de amor,
cada uma delas com o seu feliz,
tal como eu creio que o seremos nós.
- Dante Alighieri

Liberty vs. Democracy

Democracy is not liberty.
Liberty is obedience to the two laws: do all you have agreed to do and, do not encroach on other persons or their property. The first is the basis of contract law, the second, the basis of tort law and some criminal law.
Democracy is majority rule, and majority rule is mob rule.
- Richard Maybury

RELIGIOUS FREEDOM

Thomas Jefferson (1743-1826)
AUTHOR OF THE DECLARATION OF AMERICAN INDEPENDENCE
THE STATUTE OF VIRGINIA
AND FOR RELIGIOUS FREEDOM
"How much pain they have cost us, the evils which have never happened."

E

Dag Hammarskjöld, antigo Secretário-Geral das NU: "We are not permitted to choose the frame of our destiny. But what we put into it is ours."

RETRATO (DE "CAMPOS DE CASTILLA)

A minha infância é lembranças de um pátio sevilhano,
e de um claro pomar de limoeiros maduros;
a juventude quatro lustros em campo castelhano;
a minha história uns casos que recordar não cuido.

Nem sedutor Mañara, nem Brandomín hei sido
- quem não conhece o meu desleixo indumentário? -
mas recebi a flecha que disparou Cupido,
e amei o que elas podem ter de hospitalário.

Tenho nas veias algum sangue jacobino,
mas meu verso brota sem carregar o tom;
e mais que homem que julga só beber do fino,
sou, no pleno sentido da palavra, bom.

Adoro a formosura e na moderna estética
cortei as rosas do jardim de Ronsard;
mas não amo as artes da actual cosmética,
nem sou desses pássaros de novo trinar.

Desdenho as cantarias dos tenores pecos,
e o coro dos grilos que cantam à lua.
E paro a distinguir as vozes e os ecos,
e de entre as vozes todas ouço apenas uma.

Sou clássico, romântico? Não sei. Deixar quisera
meus versos como deixa o capitão sua espada:
famosa pela mão que combateu com ela,
não pelo ofício do alfageme apreciada.

Converso com o homem que sempre vai comigo
- quem fala só conta falar com Deus um dia -
meu solilóquio é prática com este amigo
que me ensinou o segredo da filantropia.

E não vos devo nada. Deveis-me quanto hei escrito.
A meu trabalho acudo, com meu dinheiro pago
a roupa que me cobre, e a casa adonde habito,
o pão que me alimenta, o leito em que me apago.

E quando chegue o dia da última viagem,
pronta a partir a nau que nunca há-de voltar,
haveis de ver-me a bordo com pouca bagagem,
e mesmo quase nu, como os filhos do mar.
- António Machado

VOCAÇÃO DE POETA

Ainda outro dia, na sonolência
De escuras árvores, eu, sozinho,
Ouvi batendo, como em cadência,
Um tique, um taque, bem de mansinho...
Fiquei zangado, fechei a cara -
Mas afinal me deixei levar
E igual a um poeta, que nem repara,
Em tique-taque me ouvi falar

E vendo o verso cair, cadente,
Sílabas, upa, saltando fora,
Tive que rir, rir, de repente,
E ri por um bom quarto de hora.
Tu, um poeta? Tu, um poeta?
Tua cabeça está assim tão mal?
- "Sim, meu senhor, sois um poeta",
E dá de ombros o pica-pau.

Por quem espero aqui nesta moita?
A quem espreito como um ladrão?
Um dito? Imagem? Mas, psiu! Afoita
Salta à garupa rima, e refrão.
Algo rasteja? Ou pula? Já o espeta
Em verso o poeta, justo e por igual.
- "Sim, meu senhor, sois um poeta",
E dá de ombros o pica-pau.

Rimas, penso eu, serão como dardos?
Que rebuliços, saltos e sustos
Se o dardo agudo vai acertar dos
Pobres lagartos os pontos justos.
Ai, que ele morre à ponta da seta
Ou cambaleia, o ébrio animal!
- "Sim, meu senhor, sois um poeta",
E dá de ombros o pica-pau.

Vesgo versinho, tão apressado,
Bêbada corre cada palavrinha!
Até que tudo, tiquetaqueado,
Cai na corrente, linha após linha.
Existe laia tão cruel e abjeta
Que isto ainda - alegra? O poeta - é mau?
- "Sim, meu senhor, sois um poeta",
E dá de ombros o pica-pau.

Tu zombas, ave? Queres brincar?
Se está tão mal minha cabeça
Meu coração pior há de estar?
Ai de ti, que minha raiva cresça!
Mas trança rimas, sempre - o poeta,
Na raiva mesmo sempre certo e mau.
- "Sim, meu senhor sois um poeta",
E dá de ombros o pica-pau.
- Friederich Wilhelm Nietzsche

sábado, janeiro 10, 2004

A JOVINO, PATRÍCIO E GOVERNADOR DA PROVENÇA

Rápido o tempo voa, engano as horas fugitivas...
Tão diversos que somos, iguais vamos a igual fim...
Ninguém recua que uma vez limiar tal cruzou...
Onde de heróis a força? Heitor caiu e o irado Aquiles,
E Ajax, que foi da Acaia o escudo, é também morto...
Onde os corpos mais belos? Também Ástur, formosíssimo,
Tombou, Hipólito é sepulto, já não vive Adónis...
Onde os cantos primeiros? Por mais doce que cantassem,
Orfeu e sua cítara desacordados jazem...
E os que escreveram poemas? Um Vergílio, Ovídio, Homero,
Não esconde a sombra do sepulcro os ossos seus desfeitos?...
Chegado o passo extremo, não das Musas valem cantos,
Nem gosto já existe em prolongar tais harmonias...
Assim, no instante que se extingue, já o presente escapa,
E das mãos vão caindo os dados de jogar na vida...
Só do justo a memória em flor bendita resta e fica.
E a fragrância da morte em sua tumba é perfumada.

- Venâncio Fortunato

"TODA CIÊNCIA TRANSCENDENDO"

Entrei-me adonde não soube
e quedei-me não sabendo,
toda ciência transcendendo.

Eu não sabia onde entrava,
porém, quando ali me vi,
sem saber adonde entrava,
grandes coisas entendi:
não direi o que senti,
que mo quedei não sabendo,
toda ciência transcendendo.

De paz e de piedade
era a ciência perfeita,
em profunda soledade,
entendida a via recta:
era coisa tão secreta,
a fala subvertendo,
toda ciência transcendendo.

Estava tão embebido,
tão absorto e tão alheado,
que se quedou meu sentido
de todo o sentir privado:
e o espírito dotado
de entender não entendendo,
toda ciência transcendendo.

Que ali chega verdadeiro
de si mesmo desfalece:
quanto sabia primeiro
muito baixo lhe parece:
sua ciência tanto crece
que se queda não sabendo
toda ciência transcendendo.

Quanto mais alto se ascende,
tanto menos entendia
que negra nuvem se acende
que as trevas esclarecia:
por isso quem a sabia
queda sempre não sabendo
toda ciência transcendendo.

Este saber não sabendo
é de tão alto poder,
que os mais sábios revolvendo
jamais o podem vencer:
pois não chega o seu saber
a no' entender entendendo,
toda ciência transcendendo.

E é de tão alta excelência
este mais sumo saber
que faculdade ou ciência
não há para o compreender:
quem a si souber vencer
com um não saber sabendo,
irá sempre transcendendo.

E, se quiserdes ouvir,
consiste a suma ciência
em num subido sentir
da só divinal Essência:
obra é de sua clemência
o quedar não entendendo,
toda ciência transcendendo.

- São João da Cruz

CORNELIUS CELSUS

The highest good is wisdom, the chief
evil is suffering in the body. Because, as
we are composed of two things, that is soul
and body, of which the first is the better,
the body is the inferior; wisdom belongs
to the better part, and the chief evil belongs
to the worse part and is the worst of all.
As the best thing of all in the soul is
wisdom, so the worst in the body is suffering.
Therefore just as bodily pain is the
chief evil, wisdom is the chief good of the
soul, that is with the wise man; and nothing
else can be compared with it.

Leonardo et Shakespeare




I heard myself proclaim'd;
And by the happy hollow of a tree
Escaped the hunt. No port is free; no place,
That guard, and most unusual vigilance,
Does not attend my taking. Whiles I may 'scape,
I will preserve myself: and am bethought
To take the basest and most poorest shape
That ever penury, in contempt of man,
Brought near to beast: my face I'll grime with filth;
Blanket my loins: elf all my hair in knots;
And with presented nakedness out-face
The winds and persecutions of the sky.
The country gives me proof and precedent
Of Bedlam beggars, who, with roaring voices,
Strike in their numb'd and mortified bare arms
Pins, wooden pricks, nails, sprigs of rosemary;
And with this horrible object, from low farms,
Poor pelting villages, sheep-cotes, and mills,
Sometime with lunatic bans, sometime with prayers,
Enforce their charity. Poor Turlygod! poor Tom!
That's something yet: Edgar I nothing am.
- Shakespeare, "King Lear", Scene III

sexta-feira, janeiro 09, 2004

Sensual

Quando eu cantar
quero ficar
molhado de suor
e por favor não vá pensar
que é só a luz do reflector

será minha alma que sua
sou um sol negro de dor
outro corpo a pele nua
carne músculo e suor
como um cão que uiva pra Lua
contra seu dono e feitor
bicho um animal ferido
no dia do caçador
humaníssimo gemido
raro e comum como o amor

Quando eu cantar
quero deixar você
molhado de amor
e por favor não vá pensar
que é só a noite ou o calor

Quero ver você ser
inteiramente tocada
pelo licor da saliva
a língua o beijo a palavra
minha voz quer ser o dedo
na tua chaga sagrada
uma voz feita de espinho
espora em teus membros cansados
sensual como o espírito
ou como o verbo encarnado

- Belchior

sábado, janeiro 03, 2004

"A QUE ERAS EM ZAHRÁ..."

A que eras em Zahrá: saudade de lembrar-te,
num límpido horizonte e rebrilhando a terra,

e quando a brisa à tarde tanto enlanguescia,
como se em dó de mim, num langor de piedade,

e sorria o jardim em prateadas águas
qual se dos véus houveras desnudado os seios!

Um dia igual aos de prazer que me fugiram:
noites furtando o gozo à sorte que dormia,

enganado com flores me seduzindo o olhar,
delas correndo o orvalho até que se curvavam,

chorando a minha insónia as hastes tão exaustas,
que as lágrimas fugiam num brilhar perdido.

Uma rosa fulgia no jardim esbraseado,
e o meio-dia cegava ainda mais, por ela.

Perfumado um nenúfar deslizou num amplexo,
qual quem tonto de sono a madrugada acorda.

Tudo criava em mim uma saudade imensa
que um seio ainda oprimido mal sabia ter.

Se a morte a nossa união houvera consumado:
oh feliz entre os dias tão glorioso dia!

Que Deus conceda a paz ao peito que a saudade
um dia encheu mas não levou nas suas asas!

Se a brisa então soprando, a ti me transportara,
um jovem te trouxera gasto pela vida.

Nem do que tenho o bem de maior preço, amor
- se de amantes se diz que podem possuir -,

seria justa paga desse puro ardor
que nos guiava aos recessos do jardim mais íntimo.

Louvado seja Deus por tempo que tivemos,
de que te consolaste, e de que fiel eu vivo.

- Aben Zaidum